Artigo de Marcos Juvencio Moraes - (nao foi escrito por Milton Araujo) Este artigo foi copiado de sua obra - .
A Atuacao da Companhia de Mineracao em Lauro Muller, SC Brasil
Este artigo foi elaborado a partir dos resultados preliminares da pesquisa de uma
iniciação científica realizada no âmbito do projeto de pesquisa intitulado “As experiências educativas promovidas pelas freiras do Instituto Coração de Jesus na Vila Operária de Guatá, da Companhia Barro Branco, em Lauro Müller/SC”. O referido projeto está vinculado ao Programa de Iniciação Científica da Diretoria de Pesquisa da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). O objetivo do texto é analisar como se deram as transformações históricas, econômicas e políticas na Vila Operária de Guatá, Lauro Müller- SC. O período a ser analisado se estende desde o princípio dadescoberta do carvão, no final do século XIII, até a incorporação da Companhia Nacional de Mineração do Carvão Barro Branco (CNMCBB) por outra carbonífera, em 1988. Para isto, o presente texto está dividido em cinco partes. Na primeira parte, discutiremos quais foram as primeiras medidas tomadas a partir da descoberta do carvão na cabeceira do Rio Tubarão; na segunda parte, trataremos do surgimento da CNMCBB, sua administração, sua estrutura e as transformações ocorridas na cidade; na terceira parte, discutiremos sobre a implantação das vilas operárias da Companhia Barro
Branco, das condições de vida dos trabalhadores e os meios de controle exercidos pela empresa; na quarta parte nos deteremos à Vila Operária de Guatá, enfocando problemas como: mortalidade infantil; vícios e prostituição, condições de trabalho dos operários e as perseguições políticas desencadeadas pelos dirigentes da empresa em relação aos seus trabalhadores e ao movimento sindical mineiro; em seguida, trataremos do encerramento das atividades da CNMCBB, em Lauro Müller; finalmente, apresentaremos algumas considerações sobre a história do carvão no município de Lauro Müller e suas repercussões econômicas, sociais e políticas que incidiram diretamentena vida dos operários e suas famílias.
A cidade de Lauro Müller foi o palco da primeira descoberta do carvão mineral,
na região sul catarinense, do século XIX. Uma das versões é que essa descoberta se deu
pelos tropeiros que vinham do planalto serrano, transitavam pelo vale do Rio Tubarão
em direção ao Porto de Laguna e acampavam na localidade que hoje se denomina Barro
Branco. Lá utilizaram o carvão, até então não conhecido, para apoiar as panelas onde
cozinhavam sua comida. Ao fazerem isso, os tropeiros notaram que essas pedras
queimavam como a lenha utilizada no fogo.
Mas, a descoberta do carvão também pode ter se dado pela procura do ouro e da
prata na serra catarinense, em uma época em que a exploração mineral do ouro, da prata
e outros minérios geravam grandes riquezas. Foi, então, que por ter uma grande parte de
terras na serra catarinense, que Marques D’Arzão desbravou seu território em busca dos
minérios tão valiosos, e deparou-se, através de suas escavações, com o que pensava ser
prata. Mas tarde, cerca de 1790, Antônio José da costa e seu filho também se depararam
na estrada de Lages com as pedras brilhantes, também pensando ser prata, mas na
verdade era pirita, assim comprovando a existência do carvão em Santa
Catarina.
Sendo o carvão descoberto pelos tropeiros que desciam a serra para
comercializar seus produtos ou por Marques D’Arzão em busca de ouro, o carvão foi
descoberto e, a partir de então, muitas pesquisas sobre o mineral foram feitas.
De 1827 a 1860, vários especialistas se dedicaram à tarefa de pesquisar sobre as
informações do carvão no sul catarinense, uns a mando do governo, outros por conta
própria. Verificaram se o referido mineral tinha possibilidade de exploração econômica.
O primeiro especialista veio em 1827, chamado Friedrich Sellow, a mando do governo
imperial. Em seguida, vieram outros cinco, por último, em 1839 um geólogo, Júlio
Parigot. Este, por sua vez, teve grande destaque em seus estudos, incentivando assim a
exploração carbonífera. Também teve a concessão de construir uma empresa para a
exploração do carvão nas minas de Tubarão, o que não se tornou possível por falta de
capital.
Com a intenção de comercializar o carvão mineral do Vale do Rio Tubarão, o
visconde de Barbacena conseguiu com o governo, em 1861, autorização para a
exploração do carvão. Mais tarde, formou uma empresa com capital inglês denominada
THE TUBARAO BRASILIAN COOL MINING COMPANY LIMITED e uma outra
autorização, alguns anos depois, para a construção da estrada de ferro que levaria o
carvão das jazidas até o Porto de Imbituba, também em Santa Catarina. E, para a
construção da estrada de ferro, foi constituída em 1876, a companhia Inglesa THE
DONNA THEREZA CHRISTINA RAILWAY COMPANY LIMITED.
Barbacena começou a exploração do carvão catarinense que estava situado na
região onde hoje fica a cidade de Lauro Müller e deveria ser transportado até o Porto de
Imbituba para seu comércio. As obras da então estrada de ferro já citada, começaram em
1880 e terminaram em 1884, sendo que o primeiro carregamento de carvão feito para o
Porto de Imbituba foi em 1886 (DAMÁSIO, 2000, p.3). A administração do grupo
inglês nas minas de carvão catarinense sofrem com as crises de produção, pois ainda
não havia mão de obra especializada. Os ingleses então, viam um futuro não tão
promissor para continuar com essa companhia, assim abandonaram a área minerada e a
direito de explorar foi repassado para a empresa Lage & Irmãos, do Rio de Janeiro. Aos
poucos, a Lage & Irmãos foi se tornando proprietária de todas as minas de carvão da
região da atual cidade de Lauro Müller. A empresa mineradora ficou parada de 1887 até
1916 e, posteriormente, os ingleses perderam o direito sobre a estrada de ferro, que foi
repassada para os norte-americanos, sob a administração de Farquhar. Mas a proposta
não teve bons resultados e em 1918 a ferrovia passou às mãos de Henrique Lage, firma
Lage & Irmãos.
O grupo Lage & Irmãos era formado por Henrique Lage e seus irmãos, Antonio
e Américo, eles já possuíam muitas empresas que atuavam no Brasil, sendo algumas
delas: de Navegação, de gêneros alimentícios, transporte de rodagem, o Banco Sul do
Brasil, além de outras. A compra da carbonífera dos ingleses e a estrada de ferro dos
norte-americanos aumenta ainda mais o patrimônio do grupo e dá um novo impulso
econômico à região sul de Santa Catarina. A empresa carbonífera que estava parada
após a transação de compra e venda, volta a funcionar nas mãos de Henrique Lage em
1916.
O mundo estava sofrendo com as causas e conseqüências da Primeira Guerra
Mundial. No Brasil, a crise causa uma grande perda na arrecadação federal. Os preços
do café e da borracha baixaram, gerando prejuízo na importação e exportação, de onde
eram cobrados impostos. O combustível e a energia também levaram a uma diminuição
dos lucros das empresas. Houve uma necessidade de energia e por conta disso viu-se
uma saída na ampliação da exploração do carvão mineral como fonte energética.
A firma Lage & Irmãos, a partir de então, recomeçou a extrair o carvão no sul
catarinense, visando o novo foco do mercado que era propício e, também as
necessidades de suas outras companhias, como a Nacional de Navegação Costeira que
transportaria o carvão pelo mar.
A empresa carbonífera não se chamava mais THE TUBARAO BRASILIAN
COOL MINING COMPANY LIMITED, passa a ser denominada CNMCBB—
Companhia Nacional de Mineração de Carvão Barro Branco. Esta vinha sendo
preparada para tornar-se uma sociedade anônima no ano de 1917, mas isso só aconteceu
de fato em 1922.
No ano de 1917 já existia uma carbonífera chamada CBCA—Companhia
Brasileira Carbonífera de Araranguá, sendo que essa já era uma sociedade anônima. A
CBCA estava em crise financeira, não tinha capital suficiente para atingir as metas
determinadas. Então, seus proprietários buscaram novos interessados a investirem
capital financeiro na empresa. Foi então que, Henrique Lage se tornou o maior acionista
da CBCA. Henrique Lage comprou a maior parte das ações da empresa e incorporou
mais uma carbonífera entre seu grupo de empresas.
Lage, durante toda a sua vida de empreendimentos, buscou sempre ampliar seus
negócios, foi homem de visão empresarial, ampla e por isso conseguiu formar um
grande patrimônio empresarial. Entre essas estavam: empresas carboníferas, de
transporte —tanto ferroviário como de rodagem— companhia de construção civil, de
energia elétrica, de extração de óleo natural, entre outras, formando ao todo 29 empresas
que funcionavam sob seu acompanhamento. (SOUZA, 1922, p.93-94)
Possuindo duas carboníferas em Santa Catarina, Henrique Lage precisaria de
uma grande equipe para produzir e dirigir as empresas. Buscou assim, ampliar a mão de
obra e também engenheiros para dar andamento a essas empresas. Um deles foi Walter
Veterlli que ficou na empresa CNMCBB de 1916 até 1941 e após Valdir Cotrin. Os dois
engenheiros dirigiram a carbonífera desde o principio e investiram não só em novos
métodos de produção, mas também de dominação. Foi na administração de Veterlli que
se construiu o castelo de Lauro Müller a mando de Henrique Lage para homenagear sua
esposa Gabriela, servindo o castelo posteriormente como casa para os engenheiros
dirigentes da empresa. Na administração de Cotrin se construiu as Vilas Operarias com
grandes estruturas.
A CNMCBB e a CBCA eram duas empresas carboníferas, pertenciam ao mesmo
proprietário, mas eram independentes, ou seja, produziam por si só, não dependiam uma
da outra para a extração do carvão.
Além de todo um aparato de dominação e fixação dos operários, à estrutura de
produção da CNMCBB estava organizada da seguinte forma: diversas minas espalhadas
pela cidade de Lauro Müller, Usinas que forneciam energia para todos as localidades de
suas instalações, nas diversas vilas operárias e para todos os equipamentos da extração
do carvão, oficinas mecânicas bem aparelhadas para o concerto das ferramentas usadas
no trabalho nas minas, várias máquinas para a lavra do carvão, olaria onde
aproveitavam a camada de barro extraída do sub-solo para fazer tijolos e telhas,
depósitos para o armazenamento do carvão escolhido e lavado, vagonetes para o
transporte do produto extraído, lavadores que faziam todo o processo de beneficiamento
do carvão até o estoque, reservas florestais plantadas sobre o rejeito do carvão, serraria
que fabricava tábuas para a construção de vagonetes , trilhos, casas e também para os
escoramentos das minas.
Apesar da Cia. Barro Branco ter tudo que necessitava para ser uma grande
empresa, ela não remunerava o trabalhador de maneira suficiente para a sua
sobrevivência. Os trabalhadores de Lauro Müller eram os mineiros mais mal
remunerados do sul de Santa Catarina, na região carbonífera. (GOULARTI FILHO,
2004). Por ser apenas a única instalada na cidade exerceu o monopólio da riqueza da
localidade, tinha total poder político nas decisões da cidade, moldou tudo a seu ver e às
suas necessidades. Muitas greves foram feitas para buscar os direitos dos operários,
algumas com vitórias e muitas outras com derrotas, sendo os trabalhadores participantes
das greves despedidos.
Por muitas vezes, o sindicato dos mineiros de Lauro Müller deixou de participar
das greves mantidas pelo conjunto de todos os outros sindicatos da região sul
catarinense, por medo das represálias de que a Cia Barro Branco pudesse vir a fazer.
Então, assim acontecia: os dirigentes dos sindicatos de Criciúma iam para Lauro Muller
e acampavam na localidade para forçar os trabalhadores a não irem trabalhar, forçando
uma greve total dos mineiros, para que assim pudessem todos lutar em união pelo
mesmo objetivo, como relata o Sr. Manoel Neri Carvalho, mineiro aposentado da
CNMCBB.
No primeiro ano da abertura da CNMCBB, em 1917, a produção de carvão
extraído do sub-solo foi de 25 toneladas diárias (BOSSLE, 1981, p.32-33) mostrando
assim, que os investimentos estavam sendo bem empregados, fazendo também com que
a economia da localidade mudasse significativamente.
Lauro Müller, que era chamada de Minas, enquanto pertencia a Tubarão, pois lá
era onde se encontravam as minas carvoeiras, passou com a exploração do carvão a
abrigar pessoas de várias localidades e nacionalidades diferentes. Segundo Dall’Alba
para Guatá migraram pessoas do Braço do Norte, interior de Tubarão, de Imaruí,
descendentes de Italianos, de Portugueses e Alemães e até nativos da região de Laguna,
além de nordestinos e também ex-presidiários reabilitados da Penitenciaria Pública de
Florianópolis. (DAMÁSIO, 2000, p.5). Até então, esta localidade era um lugar
desabitado, havendo apenas alguns agricultores, que mais tarde também passaram a
exercer a profissão de mineiro, devido a melhores rendas e melhor status social. E, com
a chegada da ferrovia e a instalação da CNMCBB, Lauro Müller passou a ter
movimentação constante com a nova atividade econômica. Tornando-se distrito em
1915, vila em 1922, passando a município em 20 de janeiro de 1957.
Em 1922, os Irmãos Lage se associaram a Arnaldo Werneck e Augusto Rocha
tornando assim a companhia CNMCBB uma sociedade anônima, com o nome de
Companhia Nacional de Mineração do Carvão Barro Branco S/A. (DALL’ALBA, 1986,
p.363)
A companhia CNMCBB que vinha crescendo ano a ano importou em 1931,
1.333.795 toneladas de carvão (BOSSLE, 1981, p.62). A partir de 1933, as empresas
carboníferas aumentaram sua produtividade devido ao incentivo à exploração do carvão
nacional que era visto como uma saída para maior investimento nos produtos
brasileiros, mantendo uma estrutura econômica onde o carvão passou a ser a principal
fonte de capital para o país, enquanto o mundo vivia a crise da quebra da bolsa de Nova
York em 1929.
O poder de transformação dos territórios que a Cia Barro Branco tomava conta é
apontado por Belolli, a partir de uma matéria vinculada no jornal “O Direito” de
Orleans, de 21 de novembro de 1926:
Lauro Müller, onde a opera firma Lage e Irmãos transformou aquele distrito
outrora despovoado numa magnífica vila operaria. Oficinas bem notáveis lá
se encontram, como sejam: serraria, ferraria, uma grande charqueada,
estabelecimentos munidos dos mais aperfeiçoados aparelhos para a lavagem
do carvão, uma ideal fábrica de telhas e de tijolos refratários, sendo tudo isso
movido por uma colossal usina elétrica. (BELOLLI, 2002, p.274
Pode-se notar que Lauro Müller era um lugar praticamente desabitado que foi
transformado em um lugar de grande estrutura voltada para a exploração do carvão,
mostrando o grande poder da indústria carbonífera Barro Branco na construção das vilas
operárias.
Com a administração de Veterlli, mais precisamente em 1921, são implantadas
algumas casas operárias para fixar o trabalhador perto do trabalho. São as primeiras
casas de vila operária de Lauro Müller. Perto da região onde foram construídas as casas
da Vila Operaria de Guatá, existia uma localidade hoje denominada de Barreiros, que
possuía casas de barro e palha, com armaduras de bambu, certamente essas casas foram
construídas por trabalhadores, provenientes das minas da CNMCBB. Esses pequenos
casebres não davam o mínimo de conforto ao morador, pois eram frias e não possuíam
assoalho, eram de chão batido e nelas ainda tinha barbeiros, insetos causador do mal de
chagas. Então nos anos que se seguiram, a Cia Barro Branco construiu casas para
melhor acomodar seus trabalhadores e para ter maior controle sobre os mesmos.
Algumas das vilas operárias construídas pela empresa foram: Barro Branco velho e
novo, Itanema, Lauro Müller (vila no centro da cidade) e Guatá, que será enfocada neste
trabalho.
Nos relatórios do DNPM— Departamento Nacional de Produção Mineral,
podemos analisar as vilas operárias de Barro Branco velho e surgimento do Barro
Brando novo através das descrições feitas sobre as mesmas:
Nas imediações da mina não há propriamente uma vila operaria, na acepção
própria do terreno. As casas estão dispersas aqui e alí, compondo um
aglomerado de habitações, onde residem os operários com as respectivas
famílias. Há, entretanto, mais além, numa localidade que já tomou o nome de
“Barro Branco”, um conjunto de casas incluindo uma igreja e escola,
desposto paralelamente aos dois lados da estrada que liga Lauro Muller a
Treviso, e que se pode considerar como sendo a verdadeira vila operaria com
cerca de 60 casas, mais ou menos. (RELATÓRIO do DNPM, 1940,
p.121-122)
No mesmo relatório é possível encontrar, também, a descrição da vila de Guatá:
Há um projeto de construção de 2 vilas operarias distintas, ligadas entre si
por uma larga avenida com 100 casas cada uma, de construção modesta, mas
dotadas de todo o conforto, inclusive água encanada, iluminação elétricas e
fossas sanitárias. (RELATÓRIO do DNPM 1940, p.124)
A maior vila operária do município de Lauro Müller, era a que estava localizada
no centro.
Conta 120 casas de madeira, todas do mesmo tipo e geminadas. É a
verdadeira vila operarias da mina, porque o que há nas mediações do Barro
Branco Velho não passa de um aglomerado de habitações mal feitas,
provisórias, que abrigam o pessoal não permanente do serviço. Fato singular:
esta vila não é iluminada a luz elétrica, o que contrasta com o resto da
localidade, onde residências particulares, bar, cinema, hotel, estação da
estrada de ferro, etc., apresentam este imprescindível melhoramento.
(RELATÓRIO do DNPM 1940, p.28)
O método de vila operária era eficaz, já existia no Brasil, mas teve seu principio
na Europa, devido à industrialização. A vila operária foi criada para dar maior
sustentabilidade de produção às empresas, pois os trabalhadores não precisariam estar se
locomovendo em grandes percursos da casa até o trabalho. Esse método de moradia,
também surge num âmbito de dominação, onde os burgueses desejavam além de uma
produção maior para suas empresas, um maior controle sobre seus empregados para que
esses não viessem a causar danos futuros aos seus negócios.
A vila operária além de servir como agrupamento de todos os trabalhadores
da empresa, servia para um melhor controle de vida e de produção dos
mesmos. Com todos vivendo no mesmo local, os burgueses, patrões,
poderiam impor métodos de vivencia adequados para uma melhor disposição
do trabalhador. .(RAGO, 1997, p. 23)
Então, através desse método de construção de uma vila de moradia só para
trabalhadores, os patrões teriam uma forma maior e melhor de supervisionar os hábitos,
os costumes, as brigas, as relações familiares, a vida em geral de todas as pessoas que
viviam na vila, sabendo de tudo o que acontecia com seus empregados. A esse respeito
Decca nos faz pensar ao afirmar que:
Os meios operários eram vistos por instituições e grupos dirigentes como
extremamente perniciosos para a “moral e a disciplina do trabalho”, focos de
agitação e revolta social. Hábitos operários no escasso tempo de lazer eram
considerados vícios, e a recreação do operário eram considerados
“improdutivos”. (DECCA, 1987, p.89)
O método de vila operária passa a ser mais utilizado com a nova administração
da Cia. Barro Branco.
Com a saída do então engenheiro Walter Veterlli que foi transferido para o Rio
de Janeiro onde iria exercer a função de administrador dos negócios do Henrique Lage,
chegou um outro engenheiro: Valdir Cotrin.
Com a administração de Cotrim novas formas administrativas são instaladas.
Devido à alta do mercado carvoeiro, a partir de 1940, novas formas de produção e de
dominação foram investidas em Lauro Müller, desenvolvendo métodos mais modernos
na extração do carvão e implementando as vilas operárias. Foram construídas para os
mineiros: escolas, armazéns, farmácias, consultório médico, ambulatório, redes elétricas
para as moradias, campo de futebol, parque para diversão das crianças. Algumas
regalias foram dadas para os engenheiros como piscina e cinema na sede da empresa e
também casas de alvenaria. Pode-se aqui fazer uma comparação entre a casa dos
trabalhadores que dispunha de dois quartos uma cozinha e uma sala, e a casa do
engenheiro chefe da empresa, o castelo,.
Os métodos de dominação dessa administração não eram só o corpo a corpo
como fazia na administração de Walter Veterlli, aqui existiu um grande aparato para
fixar ainda mais os trabalhadores nos arredores da empresa.
A companhia contava com uma estrutura considerável, com todos os meios para
fixar o operário ao trabalho e à vila operária — como a escola, a farmácia, as vendas, o
escritório, a higienização das famílias, os clubes, o teatro, o cinema etc. Assim, os
operários não precisavam se locomover para fora do local onde moravam, pois tinham
tudo o que necessitavam na sua vila operária, a empresa fornecia tudo através de suas
instalações.
Foi instalado escritório da CNMCBB perto das casas dos operários, foram
desenvolvidos lugares para lazer onde todos se divertiam, existia time de futebol onde
os mineiros jogavam (quando havia jogo os mineiros que faziam parte do time eram
liberados do trabalho para treinar e jogar). A empresa organizava as festas escolares,
fazia festas na cidade para reunir todos os seus trabalhadores. Para reunir todas as
pessoas, forneciam transporte gratuito pela ferrovia Tereza Cristina, organizavam jogos
de futebol dos times de Henrique Lage contra os times de Orleans, Tubarão, Laguna e
Imbituba. A CNMCBB possuía três times de futebol, o time de Guatá com o nome de
Clube Guatá, e o time do Barro Branco com o nome de Atlético Mineiro e o time
Henrique Lage que carregava o nome do proprietário da empresa. Esses times
competiam por todo o Estado de Santa Catarina.
A CNMCBB por ser a única em Lauro Müller, exercia todo o poder político da
cidade, mantinha nas suas vilas meios de dominação bastante eficazes sobre os
trabalhadores. Isso ocorria através dos clubes onde os mineiros jogavam e criavam
vínculo com as cores da bandeira da Cia, através da escola onde moldavam as crianças
com os princípios burgueses, do trabalho que exigiam disciplina, nas casas através da
higienizaçao, na vila operária em geral, onde todos vigiavam todos. Isso acontecia tanto
na vila operária de Guatá como na de Barro Branco e todas as outras dessa companhia.
Sempre visando a disciplina para o trabalho, pois o trabalhador passou a cumprir a risca
todas as suas obrigações, assim gerando mas lucro para a mineradora.
Rago nos deixa claro, a respeito deste fato, que são muitas as formas de poder e
de dominação da classe burguesa sobre o cotidiano do trabalhador, descrevendo que a
influência deste poder está na fábrica, na escola, na família, no bairro, na rua, sendo
difícil para os operários escaparem e resistirem a todas essas influências. (RAGO, 1997,
p.17)
A CNMCBB desde seu principio foi administrada pelo engenheiro Walter
Veterlli, esse por sua vez era rigoroso em suas atividades e dirigiu a firma desde 1916
até 1941, quando Henrique Lage morreu.
Luis Fernando Camacho, tesoureiro da CNMCBB descreveu a administração de
Veterlli na obra de Dall’Alba da seguinte forma:
Homem energético, espírito batalhador, conseguiu dirigir a Companhia por
bem 25 anos. Atravessou diversas dificuldades, sendo a maior no período de
1929 a 1932, anos de grande recessão mundial. Com tino administrativo,
paralelamente à mineração, instalou muitos colonos em áreas cultiváveis,
arrendando-lhe a terra. [...] Implantava muita disciplina, e recompensava com
aumento de salário os que se esforçavam em tarefas. (DALL’ALBA, 1986,
p.358)
Percebe-se que o senhor Veterlli era um administrador com grande visão, mas
também era repressor e mantinha os empregados no trabalho com rigidez. Fazia,
inclusive, vistorias nas casas operárias com freqüência de acordo com Luis Fernando
Camacho.
Na mesma obra de João Leonir Dall’Alba constam relatos de José Luís, que foi
trabalhador da Cia Barro Branco (CNMCBB), sobre seus superiores. Ele descreve então
que Walter Veterlli era um homem mau, carrasco, pois a qualquer instante ele poderia
aparecer para fiscalizar os trabalhos dos operários. Sobre Valdir Cotrin, diz que era um
homem bom, bom até demais, pois foi Cotrin que instalou todas as novas casas, escolas,
farmácias etc, em Lauro Müller. Dr Edgar Coelho de Sá era ruim e, houve duas greves
por causa do aumento do salário. Rubens da Silveira era regular, o seu defeito era não
atender os operários. E Dr Dieter Dihlmann que era homem muito severo. Além desses
diretores ainda na Cia. Barro Branco trabalhou Álvaro Catão e Sebastião Neto Campos,
de quem seu Neri2 relata as seguintes lembranças: “ dos catão eu não posso falar nada,
porque eram uns jaguara que vieram de Criciúma, igual veio o ‘tião medonho’ ,
Sebastião Netto Campos” . Seu Neri vivenciou uma administração severa da Cia Barro
Branco, com o Sebastião Neto Campos como diretor e posteriormente proprietário,
2 Manoel Neri Medeiros. Entrevista citada.
denominado pelos trabalhadores de “ tião medonho” , pois fazia juízo ao apelido. Sobre
isso, seu Neri ainda comenta:
[...] quando o tião veio pra cá, nós já sabíamos que ele era um carrasco, um
dia os mineiro pegaram ele e levaram ele pra serra fita e iam atorar ele, daí
teve dias que teve proteção de outros e interviram. Ele para cá era um
demônio, o homem chegava no escritório da Cia., os funcionários ficavam
quase loucos de medo. O Bastião veio para cá dando de relho na turma. Ele
invocou-se com o mineiro velho, o mineiro tarefeiro, ele qualquer uma, vinha
uma pedrinha de nada num carro de carvão de 800 quilos ele mandava virar
na rua, ai o operário perdia. Ai era macaco. (Neri3)
Enfim, tratando das vilas operárias, tomamos Guatá como o foco das pesquisas,
pois é uma das vilas que mais se destacou no cenário da política e da situação de
pobreza na vida dos trabalhadores.
9LOD RSHUiULD GH *XDWi
Para Margareth Rago, “ historicamente a classe burguesa se mostra mais
organizada que a classe operária” (1997, p.7). Os burgueses têm consciência de que
fazem parte da classe dominante-exploradora da sociedade, já os operários, a classe
desfavorecida e explorada pelo sistema capitalista, não têm total consciência de classe
social. Por isso, podemos ver através da história, que sempre uma pequena minoria da
classe operária buscou se movimentar a favor de seus próprios direitos. Então, por
acomodo da classe trabalhadora a burguesia busca um método muito prático e de
melhor dominação para agrupar o maior número de empregados de uma mesma
empresa em um só lugar, assim poucos supervisores poderiam vigiar muitos
trabalhadores ao mesmo tempo. A Vila Operária.
Como este meio de vida para os trabalhadores já existia no Brasil e também na
própria cidade de Lauro Müller, foi ao decorrer das explorações de carvão em Guatá
que se implantou a Vila Operária na localidade.
No auge da exploração carbonífera, metade do século XIX, a vila de Guatá
possuía casas de moradia para a habitação dos operários (com aluguéis simbólicos, mas
que deveriam ser pagos), escolas, casas comerciais, igreja, clube de esportes, banda de
música, teatro, cinema, clube de baile, farmácia etc. Tudo o que uma pessoa necessitava
para viver na vila operária existia, além de ter o escritório da companhia para manter um
3 Manoel Neri Medeiros. Entrevista citada.
controle da localidade e tratar dos assuntos dos trabalhadores sem que eles precisassem
sair da vila para irem até a cede da empresa. Assim, a vila se tornou uma mini cidade.
Seria bom ressaltar alguns problemas que existiam neste lugar.
extração manual e animal, foram geradas pilhas e pilhas de rejeitos, que eram
depositados pelas carboníferas da região, sem qualquer preocupação sobre as matas
virgens e em riachos e rios. O descuido com a natureza trouxe para população
Guataense uma série de doenças que não eram tratadas, pois a vida das famílias
mineiras da Vila Operária eram muito difícil. No início, a vila Operária de Guatá,
possuía poucas casas individuais, a maioria era geminada, tudo era precário, não havia
luz elétrica e nem água encanada nas casas. Poucas pessoas moravam na localidade, e é
como diz dona Erotides que foi morar em Guatá na década de 1950: “Quando eu vim
pra cá, era fraquinha ainda. Tinham poucas casas. Ali naquela rua tinham casas de
‘lança’ ” . A casa de “ lança” que ela fala, são as casas geminadas, e quando se refere a
“ fraquinha” é porque não existiam muitas casas, portanto a vila ainda era pequena. A
luz elétrica não existia, as casas eram iluminadas à gasômetro, os banhos eram na água
gelada ou água esquentada no fogão. A água era ruim, poluída. A água para beber tinha
que se buscar nas grotas ou bicas4. “ Água boa para tomar a gente tinha que buscar lá na
‘grota’ ” , diz dona Erotides. A água era fornecida pela Cia Barro Branco por
encanamentos de muitos anos. Segundo seu Neri há uns 40 anos atrás, essses canos
eram de ferro e só eram trocados quando furavam. Então, estavam cobertos de
ferrugem, por dentro e por fora, causando danos à saúde da população. Mas, a água não
era apenas um fator de doenças, ela causava muitas mortes e essas mortes na sua
maioria eram de crianças. “ As águas poluídas eram ingeridas pelos moradores que
morriam a míngua, sem qualquer cuidado. As crianças que viviam ali morriam quase
todas por estarem tomando aquela água poluída.” (Neri5)
Quando falamos da água da localidade de Lauro Mülher no período da
exploração do carvão, falamos de uma água poluída, sem qualquer tipo de tratamento
4 Bicas, eram torneiras que ficavam geralmente nas esquinas das ruas, e ali podia se pegar a agua
necessária para uso pessoal das familias.
5 Manoel Neri Medeiros. Entrevista citada.
antes de ser distribuída para o consumo da população. O reservatório de água desse
local, era desrrespeitado sem que ninguém tomasse o devido cuidado com a aréa de
conservação da água. Nele foi encontrado animais mortos e lixo, sendo que não se
possuía a consiência de que a preservação da água era de extrema importância para a
qualidade de vida daquelas pessoas, segundo Dieter Dihlmann6. Além, de não cuidarem
da água e de sua forma de distribuição, ainda não tinham o cuidado de tratá-la para uso
doméstico, sendo que as familias a consumiam para sanar todas as suas necessidades. A
água poluída fornecida pela Barro Branco era ingerida pelas gestantes, que poderiam
adquirir doenças futuras para seus filhos, pelas crianças que adoeciam e, sem o devido
tratamento médico, morriam. Outro fato de descuido com a saúde das crianças, era o
tratamento com a higienização da familia, os moradores da vila de Guatá eram pobres,
não tinham condições necessárias para manter suas casas limpas, por sua vez, suas
habitações eram pouco higienizadas, sendo então, tão cômodo estar na rua como estar
dentro de suas casas. Isto porque a empresa mantinha uma estrutura de vila ampla para
facilitar a vida do trabalhador, mas não mantinha o salário necessário para que esses
trabalhadores usufruíssem de melhores condições de vida. Tornando-se alvos de
doenças.
Quando pensamos em mortalidade infantil, não pensamos em um número
exagerado de mortes, mas esse não é o caso de Guatá. Nessa vila morriam de 2 a 3
crianças por dia, seu Neri diz que o cemintério “ parecia que era uma guerra” de tantas
crianças mortas enterradas, uma ao lado da outra. Para se ter uma idéia, era muito difícil
o túmulo com uma só criança. Em visita ao local, percebemos que em determinados
túmulos foram enterradas até seis crianças. Isso acontecia porque as famílias não tinham
condições de fazer túmulos para as crianças, e como havia muitas mortes de crianças em
uma só família, todas eram colocadas no mesmo local. A Cia Barro Branco era quem
fornecia a “ carnerinha7” para as famílias.
Seu Neri8 perdeu vários irmãos, ainda crianças e até recém-nascidos e sobre isso
ele comenta:
Perdi cinco ou seis. Todos pequenos, na base de um ano pra baixo, morria
tudo, era difícil, quantos morriam até ao nascer, já nasciam mortos ou
nasciam e logo morriam, ou duravam uma semana, ou duravam quinze dias,
6 Dieter Dihlmann. Ex-gerente da CNMCBB. Entrevista concedida a Giani Rabelo e Marcos Moraes, em
12 de Outubro de 2006, em Guatá/SC.
7 Nome dado ao caixão de madeira, pelos moradores.
8 Manoel Neri Medeiros. Entrevista.
vinte dias não sei. Oh era um absurdo o que eu via na minha época aqui, até
antes de eu ter essa idade, mais gurizote ai dos meus dez, doze anos, o sino
não dava conta de bater. Ah! morreu mais uma criança. Ah! já veio do
hospital, já vinha na caixinha e já era enterrada.
As crianças de Guatá morriam à míngua, pois não tinham os devidos cuidados.
A população já estava habituada com as mortes. Quem ficava encarregado dos enterros
eram as próprias crianças. Elas que carregavam as carneirinhas até o cemitério.
Podemos encontrar, como exemplo, no livro “ Colonos e Mineiros no Grande Orleans”
de Dall’Alba, a informação de que em 1944 foi divulgada a notícia pela rádio de
Moscou, de que a localidade de Guatá tinha o maior índice de mortalidade infantil do
mundo. (DALL’ALBA, 1986, p.373).
Com o passar do tempo, a vila vai crescendo e vai se modificando, no ano de
1972 foram colocadas instalações novas de água financiadas pelo Estado, e a partir de
então, se tem uma diminuição das mortes infantis. A nova água não é mais da represas
poluídas por metais pesados derivados da extração do carvão e fornecida pela empresa
Barro Branco, agora ela vem da serra, sendo uma água tratada e com melhor qualidade.
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Os mineiros que saiam para trabalhar de madrugada, voltavam só à noite, pois
do trabalho iam se divertir no bar, ou então em casas de prostituição. Uma delas era
localiza onde os moradores chamavam de 10. Muitos passavam em casa primeiro para
tomar banho, e depois voltavam para a rua para fazer “ farra” segundo Dona Erotides9. O
“ 10” era constituído por casas de prostitutas, onde a maior parte dos mineiros que as
freqüentavam eram os solteiros, mas muitos dos homens casados também usufruíam
desses lugares. Normalmente, eram lugares infectos por doenças contagiosas. Ali os
mineiros bebiam, jogavam e brigavam na rua.
[...]tinha um bar ali, só esse bar tinha umas 7 mesa de sinuca, o pessoal
jogavam baralho e jogavam sinuca e quando se via já vinha aquela arruação,
barulho de taco de cadeira e o pau pegava. Isso dava 2 ,3 ,4 brigas por
dia.(Neri10)
Sobre o problema da prostituição e as dificuldades encontradas pelas esposas
dos mineiros, Dona Erotides11 relata que “ tinha em Lauro Müller um local desse tipo.
9 Erotides Nascimento de Souz. Entrevista concedida a Giani Rabelo e Marcos Moraes, em 18 de maio de
2006, em Guatá/SC.
10 Manoel Neri Medeiros. Entrevista citada.
11 Erotides Nascimento de Souz. Entrevista citada.
Essas mulheres só incomodavam, meu pai era muito danado também, a minha mãe não
dava conta” .
Os mineiros trabalhavam o mês inteiro e quando recebiam gastavam o dinheiro
com seus vícios ou então com mulheres que ficavam no “ 10” . A igreja tinha o papel de
moldar o povo aos princípios burgueses.
Além dos operários da CNMCBB existiam trabalhadores de outras pequenas
empresas em Guatá..
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A Cia Barro Branco, além de ter toda uma estrutura para o beneficiamento e
extração do carvão, contratava empresas terceirizadas, para lavrar o carvão das suas
minas.
Os empreiteiros tinham seus próprios negócios, eles realizavam trabalhos para a
indústria carbonífera em troca de capital. Eles próprios tinham seus trabalhadores,
contratavam os seus funcionários, e ficavam encarregados de pagá-los. Eles eram
independentes, negociavam onde, como e qual o trabalho fariam para determinada
carbonífera. No caso dos empreiteiros de Guatá, todos trabalhavam para a Barro
Branco, que exigia dos empreiteiros uma determinada quantia de carvão por mês.
Existiam vários deles trabalhando em Guatá. Seu Neri12 conta algo sobre os
empreiteiros:
Ela [empresa Barro Branco] tinha a mineração dela e tinha empreiteiros por
fora que tiravam carvão pra ela, então tinha: Tomar Armand, tinha o Lidio
Ruzle, tinha Orestes Riguetto, João Horácio, tinha João Geremias. Ela tinha,
eu acho, quase uns 10 empreiteiros que tinham boca de mina também. Eles
tiravam carvão que era levado pra Cia, mas era deles, eles que fixavam, eles
que pagavam.
Quando seu Neri fala que tinha quase uns 10 empreiteiros, é importante ressaltar
que cada um deles possuía vários funcionários, e muitos desses moravam na vila
operária de Gautá, pertencente à carbonífera Barro Branco. Assim, além de manter
controle sobre os empreiteiros, a companhia também mantinha controle sobre os
empregados dos empreiteiros. Esses empregados, muitas vezes, trabalhavam
ilegalmente, ou seja, não eram “ fichados13” . Seu Néri era um deles, trabalhou 8 anos
sem ser “ fichado” . Tanto os empregados dos empreiteiros, como os empregados da Cia,
12 Manoel Neri Medeiros. Entrevista citada.
13 Fichado significa estar com a Carteira Profissional assinada, ou seja, ter o emprego registrado na CPT.
esperavam por longo tempo até poderem ser admitidos na Barro Branco, com todos os
direitos trabalhistas. Quando trabalhavam ilegalmente, não tinham o direito de reclamar
e nem de exigir nada, então a carbonífera pagava salários que não davam nem para
manter suas vidas humildes. Quanto a situação dos trabalhadores atuando
irregularmente, mais em depoimento do senhor Neri ajuda a ilustrar ainda mais essa
situação:
Então, quando eu entrei ainda não tinha esses cartões, pois bater o cartão para
6 horas de serviço é lei. Quando eu entrei ainda era no osso, tinha que tirar
tabela. Não tinha hora, senão tirasse, eles botavam prá rua, sabe como é, a lei
era seca, além de eu trabalhava a semana inteira na mina. Nos sábados eles já
iam antes de nós sairmos para nos escalar pra encher caminhão no domingo,
à pá, caminhão de carvão à pá. Era uma escravidão!
A lei pra esses trabalhadores não existia, eram obrigados a se submeterem às
cansativas horas de trabalho dentro da mina e fora dela. A tabela que seu Neri fala, é a
quantia de carvão que um mineiro era obrigado a tirar por dia, se não tirasse essa
quantia em 6 horas de trabalho, ficaria trabalhando até a hora que conseguisse tirar tudo.
E qual eram as condições de trabalho? Os mineiros trabalhavam nas piores
condições que existiam. Trabalhavam dentro da água que às vezes chegava até a altura
da barriga, assim aconteciam muitas mortes e doenças causadas pela umidade. Na mina
existiam muitos fios desencapados e muitos morriam eletrocutados. O trabalho era
manual e o carvão era retirado à picareta, não tinham proteção como capacetes e havia
bastante desmoronamento do teto da mina, por isso, houve muitas mortes causadas
pelos desmoronamentos.
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Guatá era uma Vila Operária violeta, cheia de vícios, de mentira, de intrigas,
mas sem dúvida de uma grande dominação e repressão, exercida por parte da grande
empresa que tinha o poder em suas mãos, a Cia Barro Branco.
Com o devido poder político da Cia Barro Branco, havia na vila perseguições de
operários, pois esses eram contra os princípios dos burgueses, dos dirigentes da
companhia. Esta que mantinha uma vigilância diária sobre os seus empregados, para
que esses se sentissem reprimidos e não pensassem em participar de movimentos sociais
e fazer parte do sindicato.
No período militar, várias perseguições foram feitas aos operários, por irem
contra a ideologia imposta. Operários esses que foram taxados de comunistas, mesmo
sem saber exatamente que comunismo era esse. Os comunistas então, sofreram grande
repressão e foram obrigados a cair na clandestinidade, pois se não seriam presos e
torturados. O partido comunista ainda não existia na região, mas na cidade de Lauro
Müller e aos arredores tinham muitos adeptos. Existiam no período da ditadura militar
três partidos fortes na região: a UDN, o PTB e o PSD, partidos esses que lutavam entre
si pelo poder. A UDN era o partido dos burgueses. Esse partido era o partido da Cia
Barro Brando, e era o partido de maior poder na cidade de Lauro Müller. Foram tantas
as repressões da empresa, movida pelo partido, contra os trabalhadores, que eles criam
um sentimento de repúdio contra a UDN, e aí seu Neri comenta: “ Se me der um
caminhão ou uma carreta de dinheiro, eu não voto nunca nesse partido, pode ser um pai
meu que já morreu se fosse candidato eu não votava, por o que eles fizeram aqui.”
Seu Neri aposentado como mineiro pela Cia Barro Branco afirma que nunca
votaria na UDN pelo fato de ela controlar tudo o que existia na cidade de Lauro Müller,
e que apenas complicavam mais a vida do trabalhador, ao invés de facilitar. Esse partido
controlava a área da saúde: hospital, INPS, e todos os operários que eram do lado
contrário da UDN não tinham chance de começar uma carreira na mina com todos os
direitos trabalhistas obrigatórios. Então, nasce um sentimento de desgosto pela UDN,
pela Barro Branco, por tudo que era controlado sob esse olhar dos dominantes.
A relação entre partido e empresa em Lauro Müller era muito forte, a empresa
usava suas instalações para fazer propaganda política do partido. Nas minas levavam
propaganda dos candidatos para colocar “ no caminhão, nos carrinho de carvão, até nos
capacete do operário.” Para intimidar os trabalhadores mais novos ameaçavam com a
demissão se não votassem no partido da empresa. Quem se manifestava contra as
propagandas era colocado no pior serviço que existia dentro da mina, servindo assim
como exemplo para os outros. Conta ainda seu Neri.
A repressão política fez parte do cotidiano dos moradores de Guatá e das demais
vilas operárias de Lauro Müller, uma vez que a Cia Barro Branco pretendia dominar não
só economicamente o lugar, mas também ideologicamente.
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Após a morte de Henrique Lage em julho de 1941, a empresa e todo o
patrimônio que Lage adquiriu em sua vida, passou para as mãos de Gabriela Bezanzoni,
viúva de Lage. O então engenheiro da Barro Branco Veterlli, foi para o Rio de Janeiro
administrar os negócios de Lage. Sendo que o engenheiro a substitui-lo foi Cotrin, e
após alguns meses na administração da empresa, a viu ser encampada ao patrimônio
nacional pelo governo Vargas. Temos então, dois motivos que legitimaram o
encampamento do patrimônio de Gabriela: primeiro, as empresas de Lage desde o final
dos anos 30, já vinham sofrendo dificuldades com as diversas dividas crescentes, não
tendo condições suficientes para aumentarem a produção carbonífera, de acordo com a
demanda nacional; segundo, Gabriela Bezanzoni, única herdeira de Henrique Lage, era
italiana, e com o nacionalismo de Vargas e o encampamento, legitimado pelo decretolei
4.648 de 2 de setembro de 1942, os bens da então proprietária passaram ao controle
do Estado (MORAES, 2006).
A partir do ano de 1942, as empresas carboníferas, assim como o porto de
Imbituba e todo o resto do patrimônio Lage, passaram a depender de investimentos
governamentais. Toda a atividade carbonífera vinha de encontro ao suprimento das
necessidades do País, isto devido à Segunda Guerra Mundial, na qual o Brasil não podia
importar carvão estrangeiro para produção siderúrgica. Então, ficou a cargo das
empresas carboníferas brasileiras lavrarem o carvão suficiente para as necessidades da
nação.
Do ano de 1942 até 1946, o patrimônio que Lage deixou para Gabriela ficou sob
responsabilidade da União. Após julho de 1946, no decreto 9.521, com o governo Dutra,
uma parte deste patrimônio foi devolvida para a proprietária Gabriela e, uma outra parte
continuou sob a administração da União. A parte devolvida ficou sob a administração
dos engenheiros das empresas, até que, Gabriela passa para propriedade de Francisco
Catão as empresas carboníferas CNMCBB e CBCA, assim como o porto de Imbituba.
(MORAES, 2006)
Francisco Catão permaneceu com as empresas 22 anos, isto é, de 1946 até 1968,
passando pela Barro Branco neste período diversos diretores, são eles: eng. Valdir
Cotrin que voltou a assumir a direção, eng. Mário Balsini e Henrique Martins, esses de
1943 à 1950. De 1950 a 1952, foi novamente o Walter Veterlli, após Edigar de Sá, 1952
a 1968, e por último Rubens da Silveira de 1962 a 1967. (CAMPOS, 2001, p.151)
Francisco Catão após as sucessivas crises do carvão a pós a Segunda Guerra,
procura novos compradores em 1968 para as carboníferas catarinenses, Sebastião Neto
Campos que já trabalhava na CBCA sob o comando do Francisco, une-se a Álvaro
Catão irmão de Francisco Catão, proprietário das carboníferas, e compram as empresas.
Com os novos proprietários das carboníferas, Dieter Dihlmann foi elevado de gerente a
diretor da Barro Branco.
Sebastião e Álvaro criaram em 1970 a Fazenda Castelo Ltda. para desenvolver a
atividade agrícola. Ainda em 70, criaram a Indústria Brasileira de Coque S/A, com a
finalidade de aproveitar o fino do carvão na produção do carvão coque, e em 1980 em
paralelo a Barro Branco, criaram uma empresa chamada Ibracoque Mineração (Ibramil),
com a finalidade de aumentar a produção carbonífera. As empresas Barro Branco,
Ibramil e Ibracoque permaneceram sob o controle de Álvaro e Sebastião até 1988, pois
já vinham de um grande período de crises financeiras, pelas sucessivas mudanças na
administração do carvão nacional. A Ibramil foi vendida aos Ronsoni e a Barro Branco
foi comprada pela Carbonífera Catarinense. A Ibracoque foi sendo progressivamente
desativada e a CBCA passou por um longo processo judicial até ser transformada em
cooperativa, em 1987. (CAMPOS, 2001, p.235-236)
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Toda atividade econômica ligada a extração do carvão em Santa Catarina trouxe
consigo grandes mudanças econômicas para as cidades onde havia minas, mas também
grandes impactos ambientais, deixando como herança imensas áreas degradadas. Em
Guatá, a vida da população sempre foi em função da exploração do carvão, lá se
instalou a Cia. Barro Branco, que praticamente fundou a cidade. Exerceu um grande
poder político e econômico e assim, passou a controlar todos os passos de seus
trabalhadores e moradores, por meio de seus diretores, como os engenheiros Veterlli,
Cotrin, Diter Dilmam e Sebastião Neto Campos. Todos visavam o lucro da empresa,
mas cada um com seu jeito de comandar. A CNMCBB foi uma continuação da
companhia criada pelo visconde de Barbacena, e posteriormente foi incorporada pela
companhia Catarinense, mineradora de carvão. Esta, por sua vez, ainda atua na
atividade carbonífera em Lauro Müller.
As condições de trabalho dos operários da CNMCBB sempre foram muito ruins,
mas esta precariedade se entendeu também as vilas operárias, principalmente a Vila
Operária de Guatá. A água poluída é um exemplo da maior mortalidade infantil do
mundo registrada no ano de 1944, em Guatá. As autoridades da cidade nada faziam,
pois estavam submissas a Cia. Barro Branco. Os trabalhadores que lá habitavam não
tinham condições de viver dignamente, era um lugar violento e miserável. Todas as
famílias que lá viviam tinham o desejo de morar em outro lugar, quando pudessem se
livrar das “ garras” da Barro Branco.
Por atitudes assim, como estas tomadas pela Cia Barro Branco, é que ela e seus
dirigentes, até os dias de hoje, são repudiados pelos moradores do lugar, uma vez que
ainda conservam em suas memórias as atrocidades sofridas por muitos operários e suas
famílias.
BIBLIOGRAFIA ABAIXO..................
BELOLLI, Mario et al.. Criciúma: Imprensa
oficial do Estado de Santa Catarina, 2002.
BOSSLE, Ondina Pereira.
Florianópolis: Editora da UFSC, 1981.
CAMPOS, Sebastião Netto.
Florianópolis: Insular, 2001.
CARDOSO, Flávio Jose. *XDWi. Rio de Janeiro: Record, 2005.
DALL’ALBA, João Leonir. Edição do Autor:
Orleans, 1986.
DAMAZIO, Ademir.
Florianópolis: UFSC/CCE, 2000. (Tese de Doutorado)
DECCA, Edgar de. São Paulo: Brasiliense, 1987.
GOULARTI FILHO, Alcides (org.).
Florianópolis: Cidade Futura, 2005.
MORAES, Fabio Farias. a disputa entre Laguna e Imbituba. Criciúma: UNESC, 2006 (Monografia
de Graduação)
RAGO, Margareth. a utopia da cidade disciplinar 1890-1930. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1997.
RELATÓRIO DO DNPM. Boletim n.
104, Rio de Janeiro, 1940.
SOUZA,Walmir. Lauro Muller: Editora do Autor, 2002